Publicado em 11/03/2022 às 07:20, Atualizado em 11/03/2022 às 11:21
Pandemia completa dois anos nesta sexta-feira
O pico da variante Ômicron levou a um recorde de casos de covid-19 em todo o mundo no início de 2022, e a queda da curva que se seguiu a ele no Brasil traz o que a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) considera uma janela de oportunidade para o controle da pandemia, que completa dois anos hoje (11). Com menos casos e internações, diminui a pressão sobre os sistemas de saúde e crescem as chances de bloquear a transmissão do vírus e a formação de novas variantes aumentando a cobertura vacinal.
"Em um momento em que há muitas pessoas imunes à doença, se houver uma alta cobertura vacinal completa, há a possibilidade de tanto reduzir o número de casos, internações e óbitos, como bloquear a circulação do vírus", destacava o boletim do Observatório Covid-19 da Fiocruz no início de fevereiro ao prever a queda de casos confirmada nas últimas semanas.
A previsão de uma situação mais confortável, porém, ainda não significa o fim da pandemia, reforça o pesquisador Raphael Guimarães, que integra o observatório. “A gente entende que o Brasil deve entrar em uma fase mais otimista”, afirma ele. “Temos uma redução dos casos novos, gradativamente uma descompressão do sistema de saúde, uma menor ocupação dos leitos, e a gente vai ter também uma redução dos óbitos.”
Para aproveitar esse momento promissor, ele destaca que o país precisa avançar na vacinação e reduzir a desigualdade nas coberturas vacinais, que se dá tanto entre estados, como entre municípios e até entre populações dentro de cada cidade.
“O que a gente precisa pensar é que toda política pública deve ter por princípio minimizar as iniquidades que acontecerem em cada escala geográfica. É preciso uma política coordenada do governo federal para reduzir as iniquidades entre estados. Os estados precisam ter essa leitura para reduzir a desigualdade entre os municípios, e os municípios, para reduzir entre os bairros. E tudo isso tem que acontecer de forma coordenada.”
Para o presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Alberto Chebabo, ainda é difícil dizer se a queda do número de casos, proporcionada pela imunidade das vacinas somada aos anticorpos adquiridos pelas pessoas infectadas pela Ômicron recentemente, vai ser o suficiente para indicar o fim da pandemia. Ele ressalta que a expectativa de um cenário mais positivo depende de não surgir uma nova variante de preocupação capaz de causar uma nova onda de contágio.
“Será muito mais uma questão retrospectiva. Não dá para dizer quando vai ser o fim da pandemia, vai dar para olhar para trás e dizer quando foi o fim da pandemia”, avalia ele. “A expectativa é de que, se não aparecer nenhuma variante nova de preocupação, a gente tenha um período mais calmo, com menos casos e mortes. Mas a questão é que em novembro do ano passado a gente estava em um momento assim com o fim da Delta, e apareceu a Ômicron. Então, é difícil fazer qualquer previsão.”
Na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro publicou em seu perfil no Twitter que o Ministério da Saúde estuda rebaixar a situação da covid-19 no Brasil para endemia, o que significa que a doença passaria a ser considerada parte do cotidiano, como outras doenças já acompanhadas pelos sistemas de saúde. Em nota divulgada no mesmo dia, o Ministério da Saúde confirmou que já estava adotando as medidas necessárias para reclassificar o status da covid-19 no Brasil que, atualmente, é identificado como pandemia.
Chebabo ressalta que a situação de pandemia é internacional, afeta todos os continentes, e por isso foi declarada pela Organização Mundial da Saúde. “Quem vai definir o final da pandemia não é nenhum país, é a própria OMS, que declarou a pandemia", diz. "Um país pode decretar o fim do estado de emergência, tirar as medidas restritivas, suspender o uso de máscara, mas quem declara o fim da pandemia é a OMS a partir de dados que ela monitora no mundo inteiro”, completa ele.
Procurado pela Agência Brasil, o Ministério da Saúde afirmou que "avalia a medida da questão endêmica, em conjunto com outros ministérios e órgãos competentes, levando em conta o cenário epidemiológico e o comportamento do vírus no país".
Com 72% dos britânicos com duas doses, a Inglaterra dividiu opiniões ao anunciar no mês passado um plano para conviver com a covid-19. O uso de máscaras havia sido abolido em janeiro, e a iniciativa atual inclui a eliminação de medidas restritivas como a obrigação de isolamento para pessoas que testam positivo, além de programar para o fim deste mês o encerramento da distribuição gratuita de testes para o diagnóstico da doença. Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte, que também compõem o Reino Unido, adotaram planos distintos que também reduzem as restrições.
Mesmo que os números globais apontem queda nos casos e óbitos, nem todos os países caminham no mesmo ritmo. Citada em diversos momentos da pandemia como exemplo por sua capacidade de rastreio de casos, a Coreia do Sul registrou na semana passada o maior número semanal de mortes por covid-19 desde o início da emergência sanitária, ultrapassando mil óbitos em sete dias pela primeira vez, segundo a OMS. Até janeiro de 2021, o país não havia registrado mais de 10 mil casos de covid-19 em um único dia nenhuma vez, e, em março, esse patamar diário já chegou a 300 mil. A situação no país asiático se agravou mesmo com 86% dos 50 milhões de coreanos vacinados com duas doses ou dose única.
A Organização Mundial da Saúde também monitora o surgimento de uma nova variante, que combina estruturas genéticas da Delta e da Ômicron, e por isso foi chamada de Deltacron. Para o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, a pandemia está longe de acabar. "Ela não vai acabar em nenhum lugar até que ela acabe em todos os lugares", voltou a alertar em pronunciamento nesta semana.
Endemia requer estabilização
Os pesquisadores apontam que a transição da pandemia para a endemia depende que o número de casos e óbitos se estabilize em um patamar baixo e entre em uma trajetória previsível, mesmo que haja períodos recorrentes de maior circulação, como no caso do Influenza. A partir dessa estabilização, autoridades de saúde pública passam a ter condições de se programar para a demanda por atendimento.
Com a mudança para a situação de endemia, medidas preventivas como o uso de máscara deixam de ser recomendadas para todos, explica Alberto Chebabo, enquanto o reforço da vacinação deve continuar a ser uma forma de prevenção importante.
“A maioria das medidas vai ser abandonada de alguma forma, porque não se consegue sustentar, mas é claro que alguns hábitos devem continuar, como o uso de máscara por quem está com alguma doença respiratória, o que já deveria acontecer anteriormente”, cita ele, que acrescenta que pessoas com imunidade mais vulnerável também podem manter o uso de máscara em locais com aglomeração. “Mas, na população em geral, nenhuma dessas medidas vai se manter, a não ser a vacinação”.
A diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações, Flávia Bravo, ressalta que o cenário de estabilização dos dados epidemiológicos também será importante para definir como será feita a vacinação com doses de reforço contra a covid-19, e se ela de fato será necessária para todos.
“São vários os pontos que a gente tem que discutir, não é só se vai precisar ou não. Pode ser que precise só para alguns. É possível que se chegue à conclusão que os pacientes imunodeprimidos, que respondem pior e a com uma duração menor, vão necessitar de doses de reforço para levantar o nível de anticorpos. Pode ser que a gente chegue à conclusão que mesmo pessoas saudáveis vão precisar. Vai depender também da circulação viral”, afirma. “Quanto dura a proteção, não surgindo nenhuma variante, é fácil de observar. Vamos continuar fazendo a vigilância de casos. Isso é o que a ciência faz, e não é só para a covid, é para todas as doenças”, destaca.