Publicado em 16/06/2024 às 08:53, Atualizado em 16/06/2024 às 12:01
Os EUA têm a maior população carcerária do mundo, mas fica atrás de MS na proporção de detentos por habitantes
Os Estados Unidos têm a maior população carcerária do mundo, com 1,2 milhão de pessoas. Porém, o índice de presos por habitantes do país é inferior ao de Mato Grosso do Sul, que tem cerca de 17,7 mil pessoas no sistema prisional, conforme apontam dados referentes a 2023. Os números refletem a realidade regional: se prende muito em Mato Grosso do Sul.
Segundo levantamento mais recente do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, o país norte-americano tem taxa de aprisionamento de 350 presos para cada 100 mil habitantes. Enquanto isso, em Mato Grosso do Sul, esse mesmo índice é de 645,2 presos para cada 100 mil habitantes. Os dados são da Senappen (Secretaria Nacional de Políticas Penais), de 2023, e consideram os custodiados pelos sistemas estadual e federal.
Se consideramos, os casos que estão sob custódia da polícia judiciária, do batalhão de polícias e dos bombeiros militares, o número de custodiados em MS chega a cerca de 22.073, aumentando mais ainda a taxa de aprisionamento.
Vale destacar, ainda, que a taxa de aprisionamento de MS está acima da média nacional, de 319,9 por 100 mil habitantes. Comparar tais índices do sistema prisional de um país e de um estado se justifica, neste caso, para ilustrar o quanto Mato Grosso do Sul tem se destacado como um local que prende mais.
Confira a proporção por taxa de habitantes dos sistemas prisionais, clicando aqui.
MS é considerado rota do tráfico de drogas
Mato Grosso do Sul é uma rota do tráfico de drogas e isso reflete nas prisões. Este ano, a Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública) informou ao Jornal Midiamax que a superlotação nas prisões é um problema enfrentado em todo o país, mas que, em Mato Grosso do Sul, ocorre principalmente devido ao alto índice de prisões decorrentes do tráfico de entorpecentes.
A justificativa é dada com base na posição geográfica do Estado, que faz fronteira com dois países produtores de entorpecentes, Paraguai e Bolívia. Além disso, o Estado faz divisa com cinco estados brasileiros: Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, São Paulo e Paraná. Estima-se que, antes de chegar ao destino, o transporte de drogas é realizado por pelo menos dez cidades de MS, incluindo Campo Grande.
Confira a localização do Estado no mapa abaixo:
Embora destaque-se como rota do tráfico, a maioria das penas cumpridas em Mato Grosso do Sul não decorre do mesmo motivo. Conforme os dados do SEEU (Sistema Eletrônico de Execução Unificado), do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), atualizados diariamente, a maioria das penas aplicadas no Estado decorre de roubo. Em segundo lugar, está o tráfico de drogas, seguido de furto, assassinato, lesão corporal, ameaça, receptação e porte ilegal de armas. Destaca-se que os dados da CNJ consideram os custodiados em todas as esferas. Confira:
Entretanto, quando se analisa pela perspectiva de prisões — uma pessoa presa pode estar cumprindo mais de uma pena —, os números da Senappen revelam que, nas esferas estadual e federal, há mais pessoas presas em celas físicas por tráfico de drogas, em Mato Grosso do Sul.
Segundo o coordenador do Nuspen (Núcleo Institucional do Sistema Penitenciário da Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul), Cahuê Urdiales, as pesquisas relacionadas a esses dados não recebem a atenção necessária, com poucos estudos para entender os números. A exemplo, há outros crimes, como roubo e furto, que podem estar associados ao tráfico, mas não há dados suficientes para afirmar isso.
Logo, não há informações suficientes para se afirmar a relação dos outros crimes com o tráfico. Sabe-se que existe, mas não há pesquisa e dados concretos para poder afirmar isso. Se houvesse, seria possível ter uma maior noção quanto aos crimes que de fato estão associados ao tráfico.
Além disso, sobre a questão da rota do tráfico, ele destaca que não necessariamente há mais tráfico do que outros crimes.
“Tudo que tem no sistema prisional está ligado à prisão em flagrante. E prisão em flagrante está diretamente ligada ao que o Estado decide colocar os olhos e prender. Então, tem bastante roubo, tem bastante furto e tem bastante tráfico. Mas não é porque acontece mais ou menos que outros crimes, é porque o olhar seletivo do Estado está para essas pessoas”, explica o defensor público.
Grandes apreensões de entorpecentes são realizadas em MS
Há cerca de ao menos 10 anos, Mato Grosso do Sul figura como destaque nas manchetes, sendo o estado que registra os maiores índices de apreensões de drogas no país. Apenas entre 2014 e 2024, foram contabilizadas 39.098 ocorrências relacionadas ao tráfico de drogas. Deste total, 25.544 registros foram de apreensão de maconha; 14.404 de cocaína; e 276 de outras drogas. Os dados correspondem a apreensões feitas pelas polícias Civil e Militar do Estado, disponíveis do Sigo Estatística, da Sejusp.
Sobretudo, em 2023, MS liderou o ranking nacional entre os estados com maior número de apreensões ao contabilizar 368 toneladas de entorpecentes apreendidos. Neste ano, há possibilidade de o cenário se repetir, considerando a permanência do alto índice de apreensões.
No dia 20 de abril, a PRF e a Polícia Militar fizeram a maior apreensão de maconha do ano. A droga estava em um caminhão roubado. O motorista tentou fugir do bloqueio da PM e a PRF deu sequência à perseguição. O autor abandonou o veículo e fugiu, deixando para trás 12 toneladas de maconha.
Já no mês de maio, no dia 28, uma apreensão de 26 toneladas de maconha, que estavam escondidas em meio a uma carga de milho, foi considerada a maior feita no Brasil em 2024 – comparada às ações entre todas as forças policiais do País. A interceptação foi feita por agentes da base operacional de Dourados, na MS-295, entre Iguatemi e Eldorado.
MS também tem superlotação em presídios
Mato Grosso do Sul é o estado com a 6ª maior taxa de ocupação de presídios do país, somando um significativo déficit de vagas em comparação com outros Estados, conforme dados mais recentes disponibilizados pela Senappen, referentes ao 2º semestre de 2023.
No Estado, existem 10.052 vagas nos presídios estaduais e federal, enquanto o sistema prisional tem uma população de 17.544 pessoas, ou seja, há um déficit de 7.492 mil vagas. Esses números fazem com que MS tenha uma das maiores taxas de ocupação carcerária do país, calculada em 177%, ou seja, acima da capacidade. Vale destacar que tais números representam a soma dos sistemas estadual e federal no Estado.
Segundo informações do Plano Estadual de Segurança Pública, de 2023, a superlotação é um problema crônico nos sistemas prisionais. “Embora tenha ampliado em 79,7% o número de vagas, passando de 6.533 em 2012 para 11.742 vagas em 2022, o número de pessoas presas também teve relevante acréscimo, passando de 10.630 em 2012 para 20.295 em 2022, um aumento de 90,9%”, informa o Plano.
O que é feito para solucionar a superlotação de prisões em MS
Para o enfrentamento ao problema, a Sejusp informou, no início do ano, que 407 novas vagas estavam em construção. “Há projeto junto à Senappen para a geração de outras 430, com ampliações de unidades prisionais, já com recursos aprovados, além da construção de mais quatro presídios que somarão 1.600 vagas — três na capital e um no interior”, informou a Sejusp em nota.
Ainda segundo a Sejusp, o enfrentamento à superlotação é feito, também, a partir de ações de ressocialização que contribuem para a não reincidência no crime. Em alguns casos, tais ações refletem na remição da pena e, consequentemente, na redução do volume de presos.
“Mato Grosso do Sul está entre os estados brasileiros com os maiores índices de presos trabalhando, superando em 10% a média nacional, além disso, está entre os 10 estados brasileiros que mais promovem e inserem detentos em atividades educacionais”, disse a Sejusp.
Além disso, uma das metas estipuladas pelo Plano Nacional de Segurança Pública é aumentar em 60% o quantitativo de vagas no sistema prisional. Já o Plano Regional propõe um acréscimo de 70% no quantitativo de vagas no sistema prisional sul-mato-grossense até 2030.
Quanto ao cumprimento da meta de 2030, a Agepen (Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário) informou que, atualmente, estão em fase de execução e planejamento as seguintes obras, que, se concluídas, devem somar 2.361 novas vagas:
Ampliação da Penitenciária de Dois Irmãos do Buriti – 186 vagas
Ampliação do Presídio de Trânsito de Campo Grande – 136 vagas
Unidade Prisional Gameleira III de Campo Grande – até 408 vagas
Unidade Prisional Gameleira IV de Campo Grande – até 408 vagas
Construção G Unidade Prisional Gameleira V de Campo Grande – até 408 vagas
Construção da Unidade Penal em Ponta Porã – até 408 vagas
Construção da Cadeia Pública Feminina do Complexo Penitenciário da Gameleira de Campo Grande – 407 vagas
A Agepen também ressaltou que está em fase de licitação o aumento na oferta de tornozeleiras, que podem ser utilizadas como alternativa à prisão, nos casos em que a justiça definir. Estima-se um aumento de 5 mil equipamentos a serem disponibilizados.
Além disso, o órgão destacou o desenvolvimento de ações de ressocialização, as quais já foram pontuadas pela Sejusp, visando evitar a reincidência no crime, além de promover a possibilidade de remição das penas.
Apesar de existir a necessidade de aumento de vagas, em razão da superlotação nos presídios, essa talvez não seja a solução ideal. Pelo menos é o que afirma o coordenador do Nuspen, que enfatiza a importância de políticas públicas de desencarceramento e reincersão dessas pessoas na sociedade.
“Qualquer transformação, se você olhar historicamente para países que se transformaram, começa pela educação. Então, é necessário acesso a políticas de saúde, segurança, assistência social, políticas públicas efetivas que são direcionadas às pessoas em situação de vulnerabilidade social. Hoje dá pra dizer, então, que se prende, mas não se resolve o problema”, explica Cahuê.
A reportagem também entrou em contato com o Governo do Estado, Sejusp e Sead (Secretaria de Estado de Assistência Social e dos Direitos Humanos), mas não houve retorno até a publicação do material. O espaço permanece aberto aos órgãos para acréscimo de informação.