Já reparou que, por estas bandas tropicais, quanto maior o roubo, menor a consequência? Vivemos em um regime onde a magnitude do crime determina o prestígio do criminoso. Quem desvia milhões não só evita as grades — vira palestrante, consultor e até herói midiático. É o retrato da nossa cleptocracia: um sistema onde o roubo deixou de ser exceção para se tornar método de governo.
E não pense que o crime se esconde nas sombras. Ele desfila em ar-condicionado, traja terno de grife e exerce cargo comissionado. Seu habitat é a licitação direcionada, o superfaturamento da obra pública e o conluio entre gabinetes. Tudo legalizado na canetada sorridente de quem, cinicamente, “representa o povo”.
A Justiça, por sua vez, saiu de cena como árbitra e entrou em cartaz como espetáculo. Prende-se para “inglês ver”, solta-se por “excesso de prazo”, com direito a palmas, progressões automáticas e saidinhas premiadas. A vítima? Ora, que espere — ou chore em silêncio, porque o criminoso tem prioridade no atendimento, no acolhimento e, claro, no perdão judicial.
E se algum cidadão ousar levantar a voz contra os desmandos do poder, cuidado. A justiça cega enxerga muito bem quem a desafia. Manifestar descontentamento virou risco. Processos, censuras e linchamentos morais aguardam o herege que questiona a ordem estabelecida. Afinal, nesta democracia deformada, o maior crime é contrariar o establishment.
Enquanto isso, o cidadão de bem encontra-se praticamente enclausurado em sua própria residência, investindo em câmeras, cercas elétricas, grades e vigilância privada — medidas desesperadas para compensar a omissão do Estado. A ele, quase nenhuma estrutura real de segurança é garantida. Nenhuma resposta efetiva da justiça. Apenas o abandono. Já a bandidagem, esta circula livre, altiva e, por vezes, protegida.
A cleptocracia brasileira não rouba apenas dinheiro. Ela corrói a confiança coletiva, degrada o valor da honestidade e transforma o esforço honesto em ingenuidade estratégica. E, enquanto não houver fissura — com reformas sérias, penas efetivas e resgate da autoridade moral do Estado — continuaremos a assistir, da plateia, ao espetáculo de nossa própria decadência.
Não obstante o cenário de degradação institucional, ainda é possível nutrir esperança na reconstrução dos pilares éticos e jurídicos da nação. A transformação não decorrerá de ações isoladas, mas do despertar da consciência coletiva, do fortalecimento das instituições republicanas e da coragem cívica em demandar um sistema verdadeiramente equânime. Que a esperança não se resuma à resistência passiva, mas se converta em força propulsora para edificar uma sociedade em que a probidade deixe de ser exceção e reassuma seu lugar como fundamento da vida pública.
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