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"Oração em sala de aula? Escola pública não é Igreja", por Ricardo Oliveira da Silva

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Imagem: Aline Teodoro

Ricardo Oliveira da Silva

(Professor do Curso de História da UFMS/CPNA)

A Justiça de São Paulo derrubou na última sexta-feira (11/04) a lei de São José do Rio Preto (SP) que obrigava as escolas públicas e privadas do município a realizarem a oração do Pai Nosso ao menos uma vez por semana. Na decisão, o desembargador Nuevo Campos acolheu os argumentos da Associação dos Trabalhadores em Educação (Atem). Em nota, a entidade que representa os trabalhadores comemorou a decisão, afirmando que a ação foi movida em defesa do Estado Laico e da liberdade de consciência dos profissionais da educação e estudantes: “Seguiremos firmes na luta por uma educação pública de qualidade, laica, inclusiva e que respeite as diversidades”, disse a Atem.

O texto da lei, de autoria do presidente da Câmara Municipal, Luciano Julião (PL), determinava que a oração deveria ser realizada em horário e dia previamente definido pela instituição de ensino, respeitando a rotina escolar. Além disso, a proposta estabelecia que o “aluno que não desejar participar da oração poderá ser dispensado do ato e permanecer na respectiva sala de aula, devendo apresentar à direção declaração assinada pelos responsáveis manifestando sua opção de não participação, eximindo-o da obrigação”.

Ao justificar a elaboração da proposta, o vereador Luciano Julião (PL) argumentou que a “prática da oração pode contribuir para o desenvolvimento espiritual dos alunos, promovendo momentos de reflexão e introspecção”. O vereador da cidade reiterou também a importância de “direcionar as crianças e jovens no caminho do bem e dos ensinamentos de Deus”, além de indicar que “estudos apontam que momentos de oração e meditação podem reduzir o estresse e a ansiedade, promovendo o bem-estar emocional dos alunos, aspecto que é cada vez mais relevante no ambiente escolar contemporâneo”.

Na condição de cidadão e profissional da educação, discordo da posição do vereador de São José do Rio Preto. Por um lado, reconheço que toda pessoa possui o direito de cultivar uma dimensão espiritual em sua vida, se assim o desejar. No entanto, a escola pública é o espaço da convivência e do aprendizado sobre formas múltiplas de entender o mundo e o sentido da vida humana. Ao referenciar o desenvolvimento espiritual dos alunos e alunas em sala de aula na oração do Pai Nosso, o vereador daquela cidade privilegia um modelo religioso para um espaço onde convivem pessoas com crenças e descrenças religiosas variadas. Na prática, isso privilegia pessoas que comungam da fé cristã em detrimento de pessoas que não possuem essa fé ou mesmo daquelas que, sendo cristãs, não consideram o proselitismo religioso adequado na sala de aula.

Um segundo aspecto da questão é que a lei municipal violava o artigo 19 da Constituição de 1988 que veda à União, Estados, Distrito Federal e Municípios estabelecer legislações que referendem cultos religiosos em instituições públicas, como a escola. Como professor de História digo que religiões e religiosidades (no plural) estão presentes em sala de aula como conteúdos que promovem o conhecimento das sociedades humanas. Porém, não é tarefa de escolas e professores e professoras evangelizar alunos e alunas. É nessa direção que se deve pensar o conceito de laicidade: “a minha crença religiosa não deve ser lei para todos e todas”.

Referências

https://www.cartacapital.com.br/politica/justica-suspende-lei-de-sao-jose-do-rio-preto-que-obrigava-a-oracao-do-pai-nosso-em-escolas/

https://www.cnnbrasil.com.br/politica/sao-jose-do-rio-preto-sp-aprova-lei-que-obriga-pai-nosso-nas-escolas/

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

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