Publicado em 05/06/2024 às 15:58, Atualizado em 05/06/2024 às 20:21
Vendida sem prescrição médica no país vizinho, a droga conhecida como ‘tranquilizante para cavalos’ tem se popularizado no Estado
Antes comercializada nas sombras da ilegalidade, a ketamina, apelidada de ‘tranquilizante para cavalos’, tem se tornado cada vez mais comum. Em Mato Grosso do Sul, a facilidade em adquirir a droga sem prescrição médica em estabelecimentos na fronteira com o Paraguai contribui para sua disseminação, principalmente em festas e baladas.
Popular desde 2022, a ketamina entrou novamente em evidência após a influenciadora Djidja Cardoso morrer por uma suposta overdose devido ao uso indiscriminado do anestésico, também chamado de cetamina. A polícia a encontrou morta dentro de casa, em Manaus, na última terça-feira (28).
A cetamina é um medicamento da classe dos anestésicos com venda e uso controlado. Nos últimos anos, médicos têm usado o medicamento em dosagens baixas e com supervisão, para tratar depressão severa. No entanto, o uso da droga, de maneira ilegal como alucinógeno, tornou-se comum em festas. Devido a sua capacidade de sedação, golpistas também utilizam a cetamina como o “boa noite, Cinderela”.
Chamada de ‘irmã do LSD’, a cetamina tem ação rápida e efeito curto, dura em média entre 30 e 60 minutos. Apesar da popularidade, a droga possui um alto custo. Um levantamento da Agência Cenarium, identificou que um frasco de 50 ml de Cetamina pode custar até R$ 400 se adquirido de forma lícita, e entre R$ 600 e R$ 800 no mercado ilegal.
No Brasil, há a comercialização do medicamento em lojas especializadas para animais, contudo é obrigatória a prescrição médica e retenção de receita.
Morte de influenciadora trouxe luz ao tema
Dilemar Cardoso Carlos da Silva, conhecida como Djidja, morreu aos 32 anos. A influenciadora era famosa por ser ex-sinhazinha do Boi Garantido, parte das tradições do festival de Parintins, no Amazonas. Contudo, ela e seus familiares eram investigados há 40 dias por supostamente participarem de uma seita que promovia o uso da droga entre seus membros.
Após a morte de Djidja, a Polícia Civil do Amazonas prendeu sua mãe e seu irmão, Cleusimar Cardoso Rodrigues e Ademar Farias Cardoso Neto, por conduzirem rituais envolvendo a droga e fornecerem cetamina na seita religiosa. Conforme o CFF (Conselho Federal de Farmácia), a polícia encontrou ampolas de cetamina, seringas e agulhas nas unidades dos salões de beleza da família.
Conforme a hipótese da Polícia Civil do Amazonas, a influenciadora teria consumido a substância em excesso durante um ritual. A família responderá às acusações por tráfico de drogas.
Outro caso de grande repercussão foi o do ator de Friends, Matthew L. Perry, encontrado morto em sua casa em outubro de 2023. Na época, o médico legista do condado de Los Angeles determinou que Perry morreu devido aos ‘efeitos agudos da ketamina’. Além das causas secundárias da morte: afogamento, doença arterial coronariana e os efeitos da buprenorfina, usada para tratar o transtorno por uso de opioides.
Efeitos adversos da droga
Entre os efeitos adversos da cetamina estão alterações cardiovasculares, como aumento da pressão arterial e dos batimentos cardíacos; respiratórios, podendo ocorrer acentuada depressão respiratória ou apneia após administração intravenosa rápida de doses elevadas; oculares, com situações de diplopia e nistagmo, além de leve elevação da pressão intraocular; e psicológicas, neurológicas, gastrintestinais, entre outras.
Farmacêutico, José Roberto Santin alerta que o medicamento oferece um alto risco de dependência e pode causar reações adversas aos pacientes. Por isso, tem venda controlada e precisa de administração com acompanhamento profissional.
“A cetamina, também usada de forma recreativa como uma droga de abuso, está nas ruas como ‘K’ ou ‘Special K’. Ela pode levar à toxicidade e à intoxicação, induzindo sintomas variados, principalmente alterando a consciência e manifestando-se como sedação, prejudicando o estado mental”, explica o especialista.
O medicamento de uso veterinário é um anestésico comumente utilizado na realização de cirurgias de animais de estimação. Conforme o CFMV (Conselho Federal de Medicina Veterinária), o uso da cetamina ocorre de forma controlada, em ambiente cirúrgico, para induzir anestesia e aliviar a dor.
Além disso, desde 2022, o Mapa (Ministério de Agricultura Pecuária e Abastecimento) exige que medicamentos que contenham substâncias como cetamina, tenham notificações de receitas veterinárias e de aquisição por médico-veterinário emitidas via Sistema Integrado de Sipeagro (Produtos e Estabelecimentos Agropecuários).
Usa da ketamina no tratamento de depressão
Em 2019, a FDA aprovou um spray nasal baseado em um derivado da ketamina – a escetamina – em conjunto com um antidepressivo oral, para o tratamento da depressão em adultos, quando outros medicamentos se mostravam ineficazes.
Em outubro de 2023, a FDA alertou sobre um “interesse crescente” no uso de produtos manipulados de ketamina para o tratamento de transtornos psiquiátricos, incluindo depressão, ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático e transtorno obsessivo-compulsivo. Conforme o UOL, na época, a ketamina não recebeu aprovação para uso seguro em humanos.
Operações de combate
Em janeiro de 2024, o Mapa integrou a Operação Nexus, deflagrada pelo Ministério Público do Paraná, por meio dos Núcleos de Curitiba e Paranaguá do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), que investigou o crime de tráfico de drogas vinculado à aquisição e prescrição de medicamentos controlados de uso veterinário.
Um ano antes, a Polícia Federal, no âmbito da ‘Operação Keyla’, denominada pelo codinome utilizado por usuários da cetamina, apreendeu 7.674 frascos de produtos de uso veterinário à base de cetamina em SP e RJ.
Na quantidade apreendida durante a operação, estima-se que poderiam ser realizadas anestesias de 380 mil cães ou 10 mil cavalos.