Publicado em 27/11/2024 às 06:00, Atualizado em 27/11/2024 às 23:46

Como filmar uma entrevista; com dicas de Celina Torrealba

Valentino Morra,
Cb image default
Imagens fornecidas por Celina Torrealba

As entrevistas são um dos principais elementos de qualquer documentário, servindo como plataforma que dá voz a pessoas diretamente ligadas ao tema central do filme. Por conta disso, é importante que documentaristas saibam como entrevistar, um processo que engloba desde o planejamento e pesquisa que antecede a entrevista, até o momento da filmagem.

A seguir, há um guia sobre como filmar entrevistas, com algumas dicas da cineasta Celina Torrealba, fundadora da Donna Features e produtora de inúmeros documentários e longas como “O Farol” e “Wasp Network — Prisioneiros da Guerra Fria”.

Preparação para a entrevista

O cenário, a pessoa entrevistada, e até mesmo a temática do documentário são fatores determinantes para a filmagem de uma entrevista. A entrevista deve servir algum propósito no filme e, por isso, o cineasta deve planejá-la antes de chegar até o local da gravação. Segundo Celina Torrealba, há pelo menos três passos a serem seguidos antes de começar a entrevistar: o planejamento e pesquisa, a elaboração de perguntas e a preparação do entrevistado.

1. Planejamento e pesquisa

Ao descrever os processos de produção de um documentário, Celina Torrealba aponta a importância da pesquisa e desenvolvimento de ideias na fase de pré-produção de um documentário. As informações coletadas durante a pesquisa para a criação do próprio documentário também podem auxiliar no preparo das entrevistas, seja no momento de definir os seus objetivos ou elaborar as perguntas a serem conduzidas.

“É nessa etapa, ainda, que são avaliados os agentes e pessoas envolvidas na temática do documentário, e que são definidas as vozes que poderão ser ouvidas através da entrevista”, conta a documentarista.

Por exemplo, no documentário “Criando Campeões”, Celina Torrealba entrevista algumas funcionárias da Fazenda Three Chimneys para fortalecer a temática principal do documentário: a inserção das mulheres no setor de criação de cavalos puros-sangues. Com isso, o documentário usa a entrevista como elemento narrativo, que traz autoridade e perspectivas valiosas para o espectador a respeito do público sobre o qual discute.

2. Elaboração de perguntas

A partir da pesquisa e após a escolha das figuras a serem entrevistadas, é possível elaborar as perguntas que serão realizadas. O entrevistador deve ter uma lista definida de questionamentos, que geralmente começam de forma mais ampla, nem sempre se relacionando diretamente com a temática do documentário. Por exemplo, perguntar sobre a infância da pessoa entrevistada pode ajudá-la a se abrir e trazer perspectivas mais intimistas quando ela for questionada sobre a temática principal.

“Além disso, é importante evitar perguntas que possam ser respondidas com ‘sim’ ou ‘não’, priorizando questões de resposta aberta e que permitam que a pessoa entrevistada elabore melhor sobre o assunto. Por exemplo, seria recomendado que a pergunta ‘Você aprecia cavalos?’ fosse alterada para ‘O que te despertou o interesse pelos cavalos?’”, explica Celina Torrealba.

A documentarista ainda defende que, apesar de ser importante ter uma ideia robusta das perguntas que serão feitas, uma característica apreciada em um entrevistador é a flexibilidade. Assim, planeje um tempo para aproveitar as próprias visões e insights da pessoa entrevistada e elaborar perguntas interessantes no decorrer da entrevista.

3. Preparação do entrevistado

A preparação da entrevista também requer que o cineasta instrua as pessoas entrevistadas sobre alguns elementos importantes, como a escolha do cenário, o direcionamento da resposta para o entrevistador, em vez da câmera, e até mesmo a natureza das perguntas que serão feitas.

“Nesse momento, é possível ter uma conversa, seja pessoalmente ou por meio de videoconferência, na qual o entrevistador entende melhor sobre a história da pessoa entrevistada em termos amplos e dá algumas instruções sobre a logística da entrevista, como os temas abordados, a provável duração da entrevista, o local onde ela será conduzida, entre outros fatores relevantes”, sugere a documentarista Celina Torrealba.

A cineasta também lembra que o entrevistador deve evitar dizer as perguntas específicas que serão feitas durante as gravações, já que isso pode tirar a naturalidade e autenticidade esperadas para o dia da entrevista

Cb image default

Momento da filmagem

Com a logística da entrevista e as perguntas já planejadas, é possível começar as filmagens. Esse é um dos momentos mais determinantes para o sucesso do documentário, já que é através da entrevista que são trazidas as perspectivas e narrativas, muitas vezes, marginalizadas a respeito do tema. Dessa forma, entrevistas bem conduzidas e filmadas com perícia acabam dando destaque para o documentário na totalidade.

Os elementos que devem ser considerados durante a filmagem incluem a configuração do ambiente, o posicionamento e uso do equipamento e a própria condução da entrevista pelo entrevistador.

1. Configuração do ambiente

O ambiente e a atmosfera da entrevista é o que causa uma primeira impressão no espectador, de forma que a configuração do espaço deve ser cuidadosamente pensada para que o foco da conversa esteja no entrevistado e no que ele está falando. Por exemplo, é preciso escolher um local apropriado para posicionar essa pessoa, de preferência de frente a uma janela com luz natural.

A escolha do plano de fundo também pode ser determinante para o sucesso da filmagem. “Optar por um fundo discreto, mas contrastante com a roupa do entrevistado, por exemplo, é uma boa ideia. Além disso, é importante posicionar objetos, como plantas e decorações, de uma forma que não chamem muito a atenção ou se estendam atrás da pessoa entrevistada, criando formatos estranhos”, explica Celina Torrealba.

A documentarista também alerta para os sons do ambiente, como ar-condicionado, ventilador ou ruídos vindos da rua. Se possível, deve-se desligar qualquer aparelho ruidoso durante a gravação e optar por um local silencioso, com portas e janelas fechadas para abafar os sons externos.

2. Equipamento

Em relação ao equipamento, é recomendado ter, no mínimo, dois ângulos de câmera, ou pelo menos dois planos de enquadramento: um que grave em primeiro plano (close-up) e outro em plano americano (dos joelhos para cima), por exemplo. Essa variedade de enquadramentos é mais facilmente alcançada com pelo menos duas câmeras ou um trilho estabilizador.

Cb image default

Assim como a câmera, o microfone é um equipamento essencial para o andamento da entrevista. Microfones com uma tecnologia mais avançada ajudam na redução dos ruídos, trazendo uma maior qualidade de som. O tripé é outro equipamento comumente empregado durante as entrevistas, assim como diferentes luzes. A depender do nível de luz natural, é possível usar dois ou três pontos de luz de acordo com o efeito desejado.

“Um equipamento para estabilizar as câmeras, como o tripé, é opcional, mas é geralmente usado em conversas com um tom mais sério e informativo. Entrevistas em tom conversacional que incluem o entrevistador como parte da narrativa podem empregar o movimento natural da câmera para expressar irreverência e familiaridade, por exemplo. Tudo dependerá da mensagem que você quer comunicar àqueles que estão assistindo”, conta a criadora da Donna Features, Celina Torrealba.

3. Condução da entrevista

O último elemento crucial para o sucesso de uma entrevista é a sua condução pelo entrevistador. A interação com o entrevistado deve ser fluida; por isso, é importante que ele se sinta seguro, mesmo nunca tendo falado em frente a câmeras. Um dos papéis do entrevistador é esse: deixar a pessoa entrevistada confortável e garantir que o que importa são as suas perspectivas, por isso não existem erros.

Logo antes da entrevista, o entrevistador pode pedir que, ao responder, o entrevistado repita parte da pergunta. Essa repetição pode contribuir não apenas para a edição e storytelling do documentário, como também ajudar a própria pessoa entrevistada a pensar com mais clareza. Por exemplo, Celina Torrealba é a diretora do documentário “Petrópolis de Cada Um”, que trará entrevistas cujas perguntas incluem: “Qual o seu lugar favorito em Petrópolis?”. Neste caso, as respostas dos entrevistados podem começar com: “O meu lugar favorito em Petrópolis é…”.

Durante a gravação das respostas, o entrevistador deve evitar interrupções, mesmo que o entrevistado esteja divagando. Para isso, é possível usar sinais não verbais, como sorrir e acenar quando a pessoa está respondendo à pergunta efetivamente e desviar o olhar ou olhar para baixo quando a pessoa fugir muito do tema.

“Cabe destacar que, mesmo que o entrevistado se desvie do tema, caso a resposta seja interessante para os objetivos do documentário, é possível usá-la para elaborar mais perguntas no momento. Isso faz parte da flexibilidade, uma característica fundamental para qualquer documentarista. O roteiro de perguntas é importante, mas criar as condições para que o sujeito permaneça engajado e as respostas sejam boas é ainda mais valioso”, conta Celina Torrealba.

Cb image default

Quem é Celina Torrealba?

Fundadora da produtora Donna Features, Celina Borges Torrealba Carpi tem uma formação diversa que inclui uma “Licence de Cinéma” pela Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne. No campo do documentário, Torrealba vem se debruçando sobre temáticas relacionadas à ancestralidade e à formação de identidades, o que se reflete em produções como “Arte da Diplomacia”, “Petrópolis de Cada Um”, “Missão de Fé” e “O Tempo das Chuvas”.

Através da Donna Features, a documentarista também trabalhou em longas-metragens reconhecidos internacionalmente, como “Port Authority” (2019), com Rodrigo Teixeira, “Wasp Network — Prisioneiros da Guerra Fria” (2019), dirigido por Olivier Assayas, e “O Farol” (2018), co-produzido em parceria com a A24.