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"O casamento homoafetivo e o ABC da laicidade", por Ricardo Oliveira da Silva

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Imagem: Aline Teodoro

Doze anos atrás, mais precisamente em maio de 2011, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), de forma unânime, equiparou as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres, reconhecendo, assim, a união homoafetiva como um núcleo familiar. A decisão foi tomada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132.

O relator das ações, ministro Ayres Britto (aposentado), ressaltou, em seu voto, que a Constituição Federal de 1988 (artigo 3º, inciso IV) veda qualquer discriminação em razão de sexo, raça, cor e que, nesse sentido, ninguém pode ser diminuído ou discriminado em função de sua orientação sexual. “O sexo das pessoas, salvo disposição contrária, não se presta para desigualação jurídica”, afirmou.

O referido artigo 3º mencionado, pelo então, à época, ministro Ayres Britto, versa sobre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, e é um dos pilares da noção da laicidade, acrescido do artigo 19, incisivo I, que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesses público”.

O que eu chamo de “ABC da laicidade” é o núcleo do conceito de Estado laico, o qual pressupõe que o Estado não deve ter uma religião oficial e, consequentemente, não deve favorecer determinado credo religioso em detrimento de outros, assim como o Estado não deve descriminar qualquer cidadão ou grupo de cidadãos em face de ter ou não ter crença religiosa. E, mais: o Estado não deve legislar com base em princípios religiosos.

No entanto, de 2011 para cá, cresceu a influência de grupos religiosos conservadores na sociedade e dentro do Congresso Nacional, os quais buscam criar leis sob justificativas religiosas, na pretensa “defesa da família, da moral e dos bons costumes”. Um exemplo disso é a discussão feita atualmente na Comissão da Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família, da Câmara dos Deputados, em torno de um projeto de lei que visa proibir a união civil homoafetiva aprovada pelo STF em 2011.

No entanto, como destacado no julgamento de 2011, o artigo 3º, inciso IV, veda a discriminação em função da orientação sexual. Além disso, o artigo 1º, inciso III, afirma que um dos fundamentos da República Federativa do Brasil é a dignidade da pessoa humana. Nesse caso, a união civil homoafetiva é a garantia de direitos para uma parcela da população alijada dessa prerrogativa, sem diminuir os direitos de matrimônio de casais heterossexuais.

Porém, em decorrência da forte influência das instituições religiosas e da religiosidade no espaço público (não esquecer que até o final do século XIX o catolicismo era religião oficial do Brasil), existe uma tendência em naturalizar a ação de práticas políticas sob um viés religioso, vide leituras da Bíblia nas casas legislativas pelo país afora, uso de verbas públicas para eventos religiosos de determinados credos ou a defesa do uso do mandato político em “nome de Deus”.

Neste ano a Constituição de 1988 completa 35 anos de existência. Contudo, colocar em prática diversos dos seus dispositivos constitucionais ainda é um desafio. Assim como garantir a laicidade do Estado. O debate sobre a união civil homoafetiva é um exemplo disso.

Ricardo Oliveira da Silva

(Docente do Curso de História da UFMS/CPNA)

Referências:

https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=504856&ori=1

https://www.cnnbrasil.com.br/politica/comissao-da-camara-faz-audiencia-publica-para-debater-projeto-que-proibe-uniao-homoafetiva/

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

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