Nos últimos anos, milhares de beneficiários foram surpreendidos pelo cancelamento unilateral de planos de saúde coletivos, muitas vezes em meio a tratamentos graves como quimioterapia e internações hospitalares. O tema lota os tribunais e gerado debates sobre até que ponto a legislação protege o consumidor diante dessa prática.
O que são planos coletivos?
Os planos de saúde coletivos podem ser divididos em duas categorias:
• Empresariais: contratados por empresas para oferecer assistência médica a seus funcionários.
• Por adesão: firmados por intermédio de sindicatos, associações ou entidades de classe, destinados a seus associados.
A grande diferença em relação aos planos individuais ou familiares é a regulação. Enquanto estes últimos têm reajustes anuais controlados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e maior estabilidade contratual, os planos coletivos possuem regras mais flexíveis — o que explica parte da polêmica.
Por que a polêmica existe?
A Resolução Normativa n.º 195 da ANS autoriza a rescisão unilateral dos contratos coletivos após 12 meses de vigência, se houver aviso de 60 dias.
As operadoras justificam que essa possibilidade é necessária para garantir a sustentabilidade financeira do sistema, evitando contratos deficitários.
Já os consumidores e entidades de defesa denunciam que a regra expõe milhares de pessoas, principalmente idosos e pacientes com doenças crônicas, a um cenário de vulnerabilidade extrema, já que a rescisão ocorre justamente quando o paciente mais precisa, acontece a negativa de cobertura.
O que diz a lei e a Justiça?
Do ponto de vista regulatório, a ANS ampara as operadoras. No entanto, o Judiciário tem estabelecido limites importantes:
• O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu que é ilegal cancelar plano coletivo de paciente em tratamento médico contínuo, especialmente em casos graves como câncer.
• Tribunais estaduais vêm concedendo liminares para impedir a interrupção do contrato em situações de urgência, entendendo que o direito à saúde deve prevalecer sobre cláusulas contratuais.
• Em 2022, uma decisão emblemática do STJ confirmou que a rescisão unilateral não pode ser usada como instrumento de exclusão de pacientes de alto custo, sob pena de violar o princípio da dignidade da pessoa humana.
Impactos para os beneficiários
O cancelamento de um plano coletivo pode ter efeitos devastadores:
• Interrupção de tratamentos vitais (quimioterapia, hemodiálise, cirurgias).
• Risco de ficar sem cobertura em momentos críticos da saúde.
• Dificuldade de contratar novos planos, sobretudo para idosos, que muitas vezes são recusados ou enfrentam mensalidades muito mais altas.
• Insegurança financeira e emocional para famílias que dependem da assistência.
Para a advogada Carolina Mendes, especialista em direito da saúde,
“A possibilidade de cancelamento unilateral desequilibra a relação contratual. O consumidor, que já é a parte vulnerável, acaba punido justamente quando mais precisa da cobertura.”
O que dizem os especialistas
O Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) defende que a ANS revise suas normas para reforçar a proteção aos beneficiários. Segundo a entidade, a lógica atual transfere para o consumidor todo o risco econômico da operação.
Advogados especializados destacam que, embora a rescisão seja prevista em regulamento, a Justiça tem reiteradamente limitado a prática em nome do direito fundamental à saúde, garantido pela Constituição.
Como o paciente pode se proteger?
Diante do risco de cancelamento, os especialistas recomendam algumas medidas:
1. Ler atentamente o contrato: verificar cláusulas sobre rescisão e prazos.
2. Registrar toda comunicação com a operadora: protocolos de atendimento são provas importantes em eventual ação judicial.
3. Reclamar na ANS e no Procon: órgãos de defesa do consumidor podem intermediar a disputa.
4. Buscar orientação jurídica: em caso de cancelamento abusivo, é possível ingressar com ação judicial e solicitar liminar para manter a cobertura até decisão final.
Conclusão
A polêmica sobre o cancelamento unilateral dos planos coletivos evidencia um conflito entre a sustentabilidade financeira das operadoras e a proteção da saúde dos beneficiários. Enquanto a ANS mantém regras que favorecem a rescisão, o Judiciário vem se posicionando em defesa do consumidor, especialmente em casos de pacientes em tratamento.
O debate mostra a necessidade urgente de revisão regulatória que equilibre os interesses econômicos das empresas com o direito fundamental à saúde, evitando que famílias fiquem desamparadas em momentos críticos.
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