Até onde pode chegar a intolerância de quem se diz humano? A questão, por mais retórica que pareça, encontra resposta dolorosa nos acontecimentos recentes, tanto no Brasil quanto no cenário internacional. Vivemos tempos em que a discordância deixou de ser parte natural do debate democrático para se transformar em crime de lesa-pátria. O dissidente já não é adversário de ideias, mas inimigo a ser aniquilado.
Grande parte da imprensa, que deveria exercer o papel de fiscal independente do poder, converteu-se em militância travestida de jornalismo. Não noticia: interpreta. Não informa: catequiza. Faz-se porta-voz da narrativa oficial, desde que esta coincida com sua cartilha ideológica. O resultado? A opinião pública, em vez de plural, é moldada como argila úmida, ao gosto das redações comprometidas não com os fatos, mas com causas.
Todavia, a imprensa não marcha sozinha nesse desvirtuamento. Alguns autoproclamados guardiões da Constituição, altos julgadores de nossas cortes, assumem para si uma autoridade quase sacerdotal: a de determinar o que é certo ou errado não segundo a lei, mas conforme suas convicções pessoais. São severos quando julgam terceiros, mas indulgentes quando se trata de si próprios. Deveriam ser exemplos de sobriedade, todavia não o são. Ostentam patrimônios incompatíveis com salários oficiais, decisões políticas mascaradas de jurídicas e, para coroar, um manto de sigilo tão grotesco quanto cínico, cem anos para que o cidadão comum saiba da vida dos “deuses do Olimpo”. Imposto de renda? Apenas para os mortais. Para os iluminados, segredo eterno, como se a transparência fosse ameaça maior do que a corrupção.
No Brasil, os sinais dessa intolerância tornam-se cada vez mais visíveis. Não bastasse o cerco a jornalistas independentes e a intimidação de estudantes por suas escolhas políticas, agora até padres, líderes espirituais cuja missão é orientar suas comunidades, foram indiciados em inquéritos sigilosos, simplesmente por manifestarem opiniões em homilias ou redes sociais. Crimes de opinião que deveriam suscitar debate público foram convertidos em dossiês ocultos, numa escalada preocupante contra a liberdade religiosa e de expressão.
Enquanto isso, a violência ideológica faz vítimas ao redor do globo. Em 2025, o assassinato de Charlie Kirk, ativista conservador norte-americano, escancarou até onde vai o ódio travestido de virtude. Sua morte não foi apenas um crime contra a vida, mas um atentado simbólico contra a liberdade de expressão.
Na América Latina, o espetáculo do autoritarismo segue em cartaz: opositores são perseguidos e religiosos expulsos ou encarcerados em países como Nicarágua e Venezuela, sob a velha fantasia da “justiça social”.
Na Europa, berço do iluminismo, a incoerência repete-se com ares de sofisticação. Universidades inglesas e alemãs cancelaram palestras de pensadores conservadores, após ameaças de grupos autoproclamados progressistas. Eis o paradoxo perfeito: a liberdade é plena para alguns, mas converte-se em censura implacável para quem ousa divergir. A mais refinada tradução da incoerência travestida de virtude.
E os números não permitem negar. Relatórios internacionais sobre liberdade de expressão, como o Global State of Democracy 2025 do International IDEA e o Freedom on the Net da Freedom House, apontam crescimento de mais de 18% nos ataques motivados por ideologia política no Ocidente.
No Brasil, pesquisa do Instituto Paraná Pesquisas revelou que 61% dos cidadãos admitem ter medo de expressar suas opiniões, seja verbalmente, seja por escrito, por receio de represálias. Em outras palavras, a maioria dos brasileiros já não se sente livre, para falar no País que insiste em se proclamar democrático.
Vivemos, portanto, um paradoxo tragicômico: destrói-se a democracia para “salvá-la”; censura-se em nome da liberdade; mata-se em nome da tolerância. Um contrassenso digno dos manuais autoritários, todavia, vendido como virtude por aqueles que perderam a guerra das ideias.
A pergunta que se impõe, com ironia amarga, é simples: até quando aceitaremos ser reféns do medo, enquanto os senhores do Olimpo e seus arautos da imprensa moldam o mundo segundo suas convicções pessoais? Até quando cidadãos livres se curvarão ao grito, em vez de confiar na força da verdade?
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